domingo, 8 de maio de 2011

Como escrever texto científico – Parte II

Escrever um texto acadêmico requer estruturá-lo em introdução, desenvolvimento e conclusão. Contudo, outros aspectos também são importantes para que ele fique objetivo, preciso e elegante, por exemplo, evitar os “defeitos de argumentação” e estar atento às normas lingüísticas.

Antes de discutir sobre os defeitos de argumentação, é necessário explicar o que se entende por argumentação. De acordo com o Idicionário Aulete, o termo refere-se ao raciocínio apresentado para convencer alguém ou chegar a uma conclusão. Se o objetivo do autor é persuadir o leitor pelos argumentos, ele deve utilizar os recursos lógicos e lingüísticos, tais como, unidade textual, argumento de autoridade, correlações lógicas entre as partes do texto, demonstração por meio de modelos e exemplos e refutação dos argumentos contrários.

Os defeitos de argumentação, de acordo com Platão e Fiorin (1997), referem-se, em primeiro lugar, ao emprego de noções confusas com uso de palavras de extensão abrangente, caráter amplo e vago como liberdade, justiça, violência, por exemplo. Essas palavras podem ter significados diferentes de acordo com o contexto em que se inserem e precisam ser definidas no texto para evitar ambigüidade. Em segundo, há o emprego das noções de totalidade indeterminada, isto é, o uso de afirmações genéricas que demonstra ausência de visão analítica e falta de informação, propiciando margem à contra-argumentação. Um exemplo desse tipo de problema é a frase: “todos os políticos são iguais, só querem poder e dinheiro”. Pode até parecer verdade, mas existem políticos (talvez difíceis de serem encontrados!) honestos, que pensam em projetos em longo prazo e no bem-estar da população.

O terceiro defeito de argumentação relaciona-se ao emprego de noções semiformalizadas. Expressões como classe social, práxis, burguesia, comunismo, devem estar claramente definidas, pois os termos científicos não podem ser empregados no senso comum. Platão e Fiorin (1997) exemplificam a questão com o enunciado: “Não se deve negar ao cidadão o direito de protestar. Isso já é comunismo!”. No exemplo, o autor usa o termo comunismo, quando deveria usar autoritarismo. Outro problema ocorre pelo uso de ilustração ou modelos inadequados que levam a falsa conclusão. Muitas vezes, usam-se fatos que não correspondem à verdade. Isso pode ser observado na frase: “a maioria da população ativa no Brasil ganha acima de dez salários mínimos”. E, por fim, um erro recorrente observado nos textos dos alunos é o da falsa conclusão. Esse problema ocorre, em geral, após o relato de uma sequência de episódios, em que as conclusões não estão contidas nos dados apresentados.

O uso das normas lingüísticas é importante para dar maior credibilidade ao texto e convencer o leitor das idéias apresentadas. O texto científico admite a impessoalidade no texto, ou seja, o uso da terceira pessoa do singular na voz ativa, por exemplo, “pretende-se com esse trabalho...”. Deve-se usar a língua padrão ou norma culta, evitando linguagem rebuscada, cheia de preciosismos e palavras difíceis de serem compreendidas pela maioria das pessoas, além de palavras supérfluas, gírias, e ainda, aumentativos, diminutivos e superlativos. Os termos usados devem estar claros e precisos. Uma boa dica é evitar frases longas, com mais de três linhas.

Em relação às palavras supérfluas, Dad Squarizi publicou artigo intitulado “lipoaspiração no texto” no Correio Braziliense com 5 dicas para a elegância e objetividade do texto.

1.  Cortar os artigos indefinidos: o artigo indefinido deve ser usado com parcimônia extrema, visto que atenua a força do substantivo, tornando-o vago e impreciso.  Por exemplo: 
   Hugo Chávez quer implantar (um) novo socialismo na América do Sul.
    Sarcozy deu (uma) entrevista ao Correio Braziliense.
    Em 2010, haverá (uma) renovação no Congresso Nacional.
 

 2. Cortar os pronomes “seu” e “sua” : os referidos pronomes tornam o vocábulo ambíguo ou, sem função. Eis alguns exemplos:

No (seu) pronunciamento, Lula elogiou o acordo bilionário com a França.
No acidente, quebrou a (sua) perna, fraturou os (seus) dedos, arranhou o (seu) rosto.
Antes de sair, calçou os (seus) sapatos, vestiu a (sua) blusa e pôs os (seus) óculos. 

3. Cortar o pronome sujeito:  
(eu) saio, (ele) sai, (nós) saímos, (eles) saem. 

 4. Cortar o pronome “todos”:  o artigo definido engloba “todos”.  Ao dizer "os candidatos fazem campanha pela internet", englobam-se todos os candidatos, o que requer cortar o pronome todos  em muitas situações, por exemplo:  


 
Estudo inglês todas as terças e quintas-feiras.
Estudo inglês às terças e quintas-feiras.
 
Todos os estudantes que faltaram perderam a explicação.
Os alunos que faltaram perderam a explicação.
 
5. Cortar expressões desnecessárias:  
Decisão tomada no âmbito da diretoria.
Decisão tomada pela diretoria.
 
Trabalho de natureza temporária.
Trabalho temporário.
 

Problema de ordem familiar.
Problema familiar.
 

Curso em nível de pós-graduação.
Curso de pós-graduação


 São muitos os problemas associados à norma culta, os mais comuns podem ser categorizados em 4 classes:

Questões ortográficas: tais como acentuação, pontuação, uso de crase.                    
              
Questões de sintaxe: referem-se à combinação das palavras ou frases. Nessa categoria estão os problemas de concordância, de regência e a colocação de pronomes.            

Questões de morfologia: referem-se aos aspectos gramaticais que descrevem os processos de formação e de flexão das palavras, tais como conjugação verbal, flexão de substantivos e adjetivos e palavras invariáveis.                   
                                                                                                                                                                              Questões de léxico: referente ao vocabulário utilizado no texto.

Não se pretende abordar os aspectos gramaticais em detalhes, visto que podem ser encontrados em boas gramáticas da língua portuguesa. Porém, descrevem-se exemplos comuns de vícios a serem evitados, de acordo o mini dicionário Sacconi da língua portuguesa (1996) e exemplos observados em gramáticas. As frases são apresentadas,  em primeiro lugar, de forma correta, seguida da forma errada, a ser evitada:

       1)      Torcemos pelo Cruzeiro. Torcemos para o cruzeiro.              
      2)      Isso é para eu fazer. Isso não é “prá mim” fazer.
3)      Fiquei para recuperação, na escola, por isso perdi minhas férias.  Fiquei de recuperação, na escola, por isso perdi minha féria.
4)      A que horas começa a festa?. Que horas começa a festa?
5)      Ele chega às 20h. Ele chega as 20h.
6)      Nunca disse um palavrão desses. Nunca disse um palavrão “desse”.
7)      Quando chegar, bata à porta!. Quando chegar, bata na porta!
8)      Desfrute tudo na vida. Desfrute de tudo na vida.
9)      Compartilho sua opinião. Compartilho de sua opinião.
10)   Ela deu à luz gêmeos. Ela deu a luz a gêmeos.
11)   Daqui a Campinas é longe? Daqui em Campinas é longe?
12)   Está muito alto o preço das coisas. Está muito caro o preço das coisas.
13)   O jantar está na mesa. A janta está na mesa!
14)   Sentei-me à mesa com eles. Sentei na mesa com eles.
15)   Você é como o seu pai: teimoso! Você é que nem o seu pai: teimoso!
16)   Farei uma expedição à Antártica. Farei uma expedição à Antártida.
17)   Tinha chegado cedo à escola. Tinha chego cedo à escola.
18)   Tenho trazido pouco dinheiro. Tenho trago pouco dinheiro.
19)   Acusaram o goleiro de ter entregado o jogo. Acusaram o goleiro de ter entregue o jogo.
20)   Não posso pagar-lhe hoje. Não posso pagar-lo hoje.
21)   O pai não quis perdoar-lhe. O pai não quis perdoar-lo.
22)   Você sabe fazer a prova dos noves? Você sabe fazer a prova dos nove?
23)   Em que pese aos políticos, o Brasil vai indo. Em que pese os políticos, o Brasil vai indo.
24)   A 5ª e 6ª series estão sem aula. As 5ª e 6ª series estão sem aula.
25)   De quem é o par de sapatos e aquele maço de cigarros? De quem é o par de sapato e aquele maço de cigarro?
26)   O professor medeia as relações em sala. O professor media as relações em sala.
27)   Dois bilhões de pessoas assistiram as últimas Olimpíadas. Duas bilhões de pessoas assistiram a última Olimpíada.
28)   Um milhão de eleitores votou nele. Um milhão de eleitores votaram nele.
29)   Um bilhão de estrelas brilha no céu. Um bilhão de estrelas brilham no céu.
30)   Entregamos em domicílio. Entregamos à domicílio.
31)   Houve muitas reclamações. Houveram muitas reclamações.
32)   Faz dez anos que não viajo. Fazem dez anos que não viajo.
33)   Espero que você seja feliz! Espero que você seje feliz!
34)   Que Deus esteja convosco! Que Deus esteje convosco!
35)   Impetrar mandado de segurança. Impetrar mandato de segurança.
36)   Dois milhares de latas foram retirados das praias. Duas milhares de latas foram retiradas das praias.
37)   Os aficionados de computadores reivindicam preços mais acessíveis. Os aficcionados de computadores reinvindicam preços mais accessíveis.
38)   Os pedágios são controlados pelo DERSA. Os pedágios são controlados pela DERSA.
39)   Após a partida, os jogadores confraternizaram. Após a partida,os jogadores se confraternizaram.
40)   Compro frutas e legumes no CEASA. Compro frutas e legumes na CEASA.
41)   Comprei duzentos gramas de presunto. Comprei duzentas gramas de presunto.
42)   O jogador saiu de campo, puxando da perna esquerda. O jogador saiu de campo, puxando a perna esquerda.
43)   Fui classificado em octogésimo lugar. Fui classificado em octagésimo lugar.
44)   Não tenho pegado resfriados ultimamente. Não tenho pego resfriados ultimamente.
45)   Onde você mora ? Aonde você mora ?
46)   “Viver a Divina Comédia Humana em que nada é eterno....”.”Viver a Divina Comédia Humana onde nada é eterno....”
47)   O caminhão veio de encontro ao muro. O caminhão veio ao encontro do muro.
48)   Trata-se de um mau administrador. Trata-se de um mal administrador.
49)   O mal é que não se toma nenhuma atitude. O mau é que não se toma nenhuma atitude.
50)   As moedas fortes mantêm o câmbio praticamente ao par. As moedas fortes mantêm o câmbio praticamente a par.
51)   Tais fatos aconteceram dez anos. Tais fatos aconteceram a dez anos.
52)   Partiriam dali a duas horas. Partiriam dali duas horas.
53)   Ele foi à festa, mas voltou bem cedo. Ele foi à festa, mais voltou bem cedo.
54)   Haverá uma palestra acerca das conseqüências das queimadas sobre a temperatura ambiente. Haverá uma palestra a cerca das conseqüências das queimadas sobre a temperatura ambiente.
55)   Os primeiros colonizadores surgiram há cerca de quinhentos anos. Os primeiros colonizadores surgiram acerca de quinhentos anos.
56)   Ele teve cerca de mil votos a favor. Ele teve a cerca de mil votos a favor.
57)   São personalidades afins. São personalidades a fins.
58)   Mostra-se capaz de inúmeras tarefas a fim de nos enganar. Mostra-se capaz de inúmeras tarefas afim de nos enganar.
59)   Preciso de mais um copo de leite. Preciso demais um copo de leite.
60)   Estou até bem demais! Estou até bem de mais!
61)   Não fazia coisa alguma senão criticar. Não fazia coisa alguma se não criticar.
62)   Se não houver seriedade, o país não sairá da situação em que se encontra. Senão houver seriedade, o país não sairá da situação em que se encontra.
Os exemplos descritos mostram que a língua portuguesa é complexa. Para escrever um bom texto acadêmico é necessário, além do assunto, recorrer com frequência às gramáticas e aos dicionários. E ainda assim, corre-se o risco de errar! A produção textual não é tarefa fácil, mas com observação dos preceitos lingüísticos, muita prática e reescrita é possível escrever bem. Stephen Kanitz, em “Como escrever um bom artigo”, afirma que o texto deve ser esculpido e não escrito! Para ele, o segredo do bom texto não é uma questão de talento, mas de dedicação e persistência. Então, a dica é praticar muito até que escrever se torne um ato fácil e simples, como descrito ironicamente por Pablo Neruda: “Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as idéias”. Simples, assim!!!
Texto escrito por: GASQUE, Kelley Cristine Gonçalves Dias. Como escrever textos científicos – Parte II. Disponível em: < http://kelleycristinegasque.blogspot.com/>.

Para rir um pouquinho:
ERRO DE ESCRITA
Aquela cidadezinha do interior enfrentava um problema gravissimo: faltava sal. todo mundo estava cozinhando sem tempero, por causa da escassez. Um grupo de cidadãos resolve apelar ao prefeito para resolver a parada.
- Deixem comigo!! - ele responde - Já encaminhei um pedido ao governo federal, que vai nos abastecer de sal por muito tempo!!!
Dias depois, chega à cidade um comboio de caminhões. O prefeito arma um fuzuê para receber a carga. A população leva o pó branco pra casa e o resultado é que muita gente sofre intoxicação. Exames mostram que o produto não era sal, mas sim, cal. O povo se concentra na porta da prefeitura em protesto. O prefeito, constrangido, aparece na janela e se justifica:
- Desculpe, meu povo. Ô cabeça, a minha! Esqueci de pôr a cedilha no "c"!!!
 Referências:
AULETE. Idicionario Aulete. Disponível em: http://aulete.uol.com.br. Acesso em: 7 mai. 2011.
FIORIN, Jose Luiz; PLATAO. Para entender o texto: leitura e redação. 13 ed. São Paulo: Ática, 1997.
KANITZ, Stephen. Como escrever um bom artigo. Disponível em: http://www.kanitz.com.br/impublicaveis/como_escrever_um_artigo.asp
SACCONI, Luiz Antonio. Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa. São Paulo: atual, 1996.

2 comentários:

  1. hehehe
    rapadura é doce mas não é mole não!
    pelo menos, melhor que esse prefeito eu acho q estou

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  2. Professora Kelley, de excelente qualidade suas postagens abordando temas inerentes a elaboração de produções acadêmicas! por Carlos Holanda-Fortaleza-CE.

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